domingo, 27 de fevereiro de 2011

Crioterapia nas lesões ortopédicas!

Renato Alves Sandoval
Alan Sérgio Mazzari
Gilvaneide Dantas de Oliveira
 
Introdução
    Knight [1], define crioterapia como "terapia com frio" a aplicação terapêutica de qualquer substância ao corpo que resulte em remoção do calor corporal, diminuindo, assim a temperatura dos tecidos.
    As primeiras utilizações de frio com neve e gelo natural foram feitas pelos antigos Gregos e Romanos para tratar uma variedade de problemas médicos. Muitos livros antigos foram escritos sobre a crioterapia no inicio do século XIX e, em 1835, a aplicação de compressas geladas em ferimentos inflamados era bastante popular.
    Segundo Knight [1], hoje a crioterapia é utilizada por vários profissionais da área da saúde na prevenção e reabilitação de várias patologias.
    Prentice [2], relata que a crioterapia é mais eficiente na fase aguda do processo de cura, imediatamente após a lesão, causando uma diminuição de temperatura do tecido que é a meta terapêutica.
    Low & Reed [3], Andrews et al. [4] e Starkey [5], relatam que as modalidades frias terapêuticas produzem seus efeitos conduzindo moléculas mais quentes e de energia mais alta dos tecidos corpóreos para as moléculas mais frias e de energia mais baixa da modalidade, para a qual transferem sua energia. Isso remove energia térmica dos tecidos corporais, esfriando dessa forma os tecidos.
    De acordo com Low & Reed [3], Andrews et al. [4], Starkey [5] e Rodrigues [6], para que esta troca de energia ocorra, deverá estar relacionada com os diferentes métodos de aplicação, tempo de aplicação do resfriamento, temperatura inicial da técnica utilizada, diferença de temperatura entre o agente de resfriamento e os tecidos, localização do tecido e a profundidade do músculo com relação a superfície.
    Starkey [5], relata que para obter os benefícios terapêuticos, a temperatura da pele deve cair para aproximadamente 13,8º C para que ocorra a redução ideal do fluxo sangüíneo local, e para cerca de 14,4º C para que ocorra a analgesia.
    Andrews et al. [4], relatam que água, músculo e osso possuem condutividade térmica que permitem o esfriamento dos tecidos após uma aplicação fria tópica. Entretanto, a gordura é um excelente isolante, com uma condutividade térmica, menor que a metade daquela do músculo ou do osso e quase um terço daquela da água.
    Segundo Gould III [7], o esfriamento prolongado diminui a sensibilidade nas fibras nervosas rápidas e lentas. A sensação da temperatura é transmitida pelas terminações nervosas encapsuladas da pele para a medula espinhal principalmente pelas fibras nervosas não mielinizadas para os receptores do frio. A sensação da temperatura é a seguir transmitida pelo trato espinotalâmico lateral até os centros superiores. Existem duas partes do hipotálamo que estão envolvidos com a termorregulação. O hipotálamo anterior inicia a sudorese e a vasodilatação cutânea quando a temperatura está elevada. A diminuição da temperatura corporal leva a um estímulo no hipotálamo, que inicia a vasoconstrição periférica, produzindo calafrios e o aumento das atividades viscerais.
    Guirro & Guirro [8], salientam que com a utilização da crioterapia é possível notar uma onda de sensações como, formigamento, cócegas, frio, dor e a perda da sensação tátil.
    A crioterapia quando aplicada no corpo humano desencadeia inúmeras respostas fisiológicas. Essas respostas variam bastante de acordo com a situação na qual está sendo usadas, podendo apresentar aumento da rigidez tecidual, melhora da propriocepção, vasoconstrição, diminuição da taxa de metabolismo celular, diminuição da produção dos resíduos celulares, diminuição da inflamação, diminuição da dor, diminuição do espasmo muscular, diminuição no sangramento e/ou edema no local do trauma, diminuição da espasticidade, alterações na fibra muscular, estimulação da rigidez articular, diminuição da temperatura intra-articular, redução do metabolismo articular e da atividade das enzimas degradantes da cartilagem, diminuição na velocidade de condução nervosa, liberação de endorfinas, diminuição na atividade do fuso muscular, diminuição na habilidade para realizar movimentos rápidos, o tecido conjuntivo torna-se mais firme, a força tênsil diminui, relaxamento, permite a mobilização precoce, aumenta a ADM, redução da inflamação, redução da circulação e quebra do ciclo dor-espasmo-dor [4,5,6,9].
    De acordo com Kitchen & Bazin [10], a redução da dor que acompanha o resfriamento, pode dever-se a fatores diretos ou indiretos, como a redução do edema e uma diminuição do espasmo muscular. A elevação do limiar da dor ocorre imediatamente em seguida ao tratamento, mas declina dentro de 30 minutos, esta elevação de limiar pode dever-se a um efeito direto sobre as terminações nervosas sensitivas e as alterações na ação dos receptores e fibras da dor. A condução pelos nervos periféricos fica retardada pelo frio e as fibras variam em sua sensibilidade, de acordo com seu diâmetro e pela sua mielinização. O frio também pode ser utilizado como contra-irritante, funcionando através do mecanismo de portão da dor.
    Cailliet [11], descreve os três possíveis mecanismos da eficácia do frio local que são a adaptação do receptor, um efeito contra-irritante e um efeito neurogênico.
    Low & Reed [3], relatam que a dor pode ser aliviada pela aplicação do frio de diversas maneiras. A redução do edema e diminuição na liberação de irritantes que induzem a dor é uma delas. Outra é um efeito direto na condução dos receptores e neurônios da dor, reduzindo a velocidade e o número dos impulsos que ocorre apenas na pele e então somente se a temperatura for muito reduzida. É impossível que as fibras C não mielinizadas possam ser afetadas já que se tem mostrado que continuam a conduzir sob temperatura bem baixas. As fibras A delta pouco mielinizadas que conduzem a dor "rápida" bem delineada da pele poderiam ser mais suscetíveis. Contudo, a dor decorrente de lesão dos tecidos poderia ser transmitida pelas fibras C e essa é a dor que geralmente está sendo tratada.
    Low & Reed [3], mostram que a rapidez do efeito do frio sobre a dor sugere que esse pode agir como outro estímulo sensorial no mecanismo de comporta da dor e como os estímulos de frio são bastante intensos eles podem levar à liberação de endorfinas e encefalinas com o mesmo mecanismo.
    Prentice [2], relata que é possível também que o gelo bombardeie as áreas dos receptores centrais de dor com tantos impulsos frios que aquele de dor são inibidos conforme a teoria das comportas para controle da dor.
    De acordo com Andrews et al. [4], foi especulado também que o frio alivia a dor através do mecanismo de controle das comportas por interferir na transmissão dos impulsos dolorosos ao nível dos neurônios de segunda ordem localizados no gânglio da raiz dorsal da medula espinhal. As modalidades frias aliviam a dor por tornarem mais lentos e reduzirem o número de impulsos dolorosos enviados pelos nervos periféricos e por interferirem na transmissão desses impulsos para o cérebro.
    O gelo reduz a dor ao estimular os termorreceptores, que transmitem proximamente a mensagem para o corno dorsal e podem agir inibindo a transmissão de impulsos dolorosos pela teoria do controle das portas [12].
    Delisa [13], relata que a analgesia pode ser conseguida em sete a dez minutos com a maioria dos pacientes relatando sucessivas sensações de frio, queimação, algia e dormência. Embora os agentes químicos e refrigeradores possam ter temperatura, inferiores a 0º C, e possam produzir queimaduras pelo frio, tratamentos pelo frio de pessoas saudáveis por períodos de menos de 30 minutos parecem não causar lesões.
    O efeito analgésico do frio é provavelmente um dos seus maiores benefícios, isto, ocorre devido a diminuição da velocidade de condução do nervo, embora não elimine totalmente [2].
    Podendo levar a neuropraxia e a axoniotmese, a transmissão pode ser reduzida em até 29,4% após uma aplicação fria de 20 minutos, com a condução continuando deteriorada até certo ponto por 30 minutos após ter sido removido a modalidade fria [5,6].
    O frio deprime a excitabilidade das terminações nervosas livres e das fibras dos nervos periféricos que aumenta o limiar de dor. Aplicações frias podem também aumentar o controle voluntário em condições espasmódicas, e em condições traumáticas agudas elas podem diminuir os espasmos dolorosos que resultam da irritabilidade local dos músculos [2].
    Segundo Starkey [5], ao estimular os neurônios de grande diâmetro, o frio inibe a transmissão da dor, atuando como um contra-irritante. Os eventos sensoriais associados com a aplicação de uma modalidade de frio estimulam os nervos de grande diâmetro a reduzir a transmissão e percepção da dor. Fisiologicamente, a transmissão de impulsos nocivos é reduzida quando diminui a excitabilidade das terminações nervosas livres, resultando em aumento do limiar da dor, os nervos mielinizados de pequeno diâmetro são os primeiros a apresentar uma mudança na sua velocidade de condução os últimos a responder a temperaturas frias são os nervos amielinizados de pequeno diâmetro. Em tratamento com período de duração e intensidade normais, a velocidade de condução nervosa exibe a maior redução imediatamente após a aplicação de gelo. Se a temperatura do tecido continuar a diminuir, ou se o tratamento continuar por períodos de tempo prolongado a velocidade de condução nervosa cairá a tal ponto que os nervos não podem mais transmitir impulsos.
    As lesões dos tecidos moles nos estágios iniciais ocorrem alterações inflamatórias em uma seqüência bem identificada. A gravidade depende da lesão. A quantidade de dor está relacionada com a velocidade com que ocorrem o edema e a irritação química. O resfriamento diminui a taxa de edema e a produção de irritantes e desse modo alivia a dor. A compressão e a elevação do segmento também limitam a formação do edema [3].
    Eventos que danificam as estruturas ou função do tecido, alterando a capacidade da célula de realizar seus mecanismos homeostáticos normais, ocasionam a resposta inflamatória. O trauma é uma das causas desse dano tecidual [14].
    Portanto o tratamento inicial de lesões traumáticas pode ser definido pelo acrônimo: proteção, repouso, gelo, compressão e elevação [3,7,15].
    A aplicação deste acrônimo favorece a diminuição da dor, limita o edema e evita o agravamento da lesão. Cada componente exerce um papel no aumento do conforto e na aceleração da recuperação do local lesionado [15].
    Segundo Rosa et al. [14], os estágios iniciais da inflamação são caracterizados por mudanças vasculares. Imediatamente após a lesão, ocorre uma vasoconstrição local, que dura de 5 a 10 minutos. A vasoconstrição é seguida por vasodilatação ativa de todos os vasos locais pequenos e por fluxo sangüíneo aumentado. Este fenômeno possibilita o processo de diapedese dos neutrófilos para os espaços teciduais, porém junto com essa vasodilatação para a diapedese extravasa mais líquido, o que caracteriza o aumento do edema. A ação do frio durante o tratamento imediato nas lesões agudas reduz o tempo de reabilitação e promovem um retorno mais rápido as atividades físicas. Estes efeitos são denominados pelas variáveis, redução da inflamação, redução da hipóxia secundária, diminuição do edema e hematoma, redução do limiar de transmissão nervosa e redução do metabolismo podendo dar início ao processo de reparação mais rapidamente e com um menor tempo para a reabilitação.
    O gelo ou o frio aplicados aos tecidos inflamados, intervêem no ciclo transudato exsudato, reduzindo os níveis de fluido do transudato e de taxa metabólica, o frio também diminui a sensibilidade dos tecidos, permitindo os exercícios ativos e passivos que retiram mecanicamente o exsudato e o transudato dos tecidos [11].
    A inflamação pode ser dividida em aguda ou crônica, dependendo da duração, tendo a inflamação aguda uma redução desde poucos minutos até poucos dias, e a crônica duração de semanas ou meses. Com isso a quantidade total de tecido danificado pode aumentar e como o principal objetivo na fase inflamatória aguda é minimizar a hemorragia e tumefação, o uso da crioterapia é justificado [6].
    O frio é preferível durante o estágio agudo da inflamação, para o alivio da dor e, possivelmente, redução do edema. Devemos nos lembrar que o frio retarda o processo básico de cicatrização [10].
    Segundo Rosa et al. [14], inflamação caracteriza-se por vasodilatação dos vasos sangüíneos com conseqüente aumento do fluxo sangüíneo local, aumento da permeabilidade dos capilares com extravasamento de líquido para os espaços intersticiais, muitas vezes coagulação do líquido nos espaços intersticiais devido as quantidades excessivas de fibrinogênio e monócitos, edema tecidual. A intensidade do processo inflamatório é comumente proporcional ao grau de lesão tecidual.
    Estudos sobre a inflamação mostraram que a crioterapia mitiga, ativa ou prejudica o processo em diferentes situações. O frio pode estimular a inflamação mediada pelas prostaglandinas e inibir a inflamação que é considerada semelhante àquela induzida por meios traumáticos [4].
    Durante a resposta inflamatória aguda, após a lesão ao tecido, o frio reduz a dor e minimiza uma lesão secundária ao tecido. O alivio da dor se deve mais provavelmente a uma redução da velocidade de condução nervosa. A observação clinica e a investigação sugere que o frio diminui a lesão secundária que é a morte celular por hipóxia [15].
    Durante uma resposta inflamatória aguda, a perturbação dos capilares e a congestão devido a um edema diminuem a oxigenação de células saudáveis próximo ao tecido danificado. A hipóxia leva a morte celular. Assim, após a lesão músculo-esquelética, existe um período de dano tecidual adicional, ou lesão secundária devido a hipóxia [15].
    Starkey [5], relata que as alterações na função celular e na dinâmica sangüínea servem para controlar os efeitos da inflamação aguda. A aplicação de frio suprime a resposta inflamatória ao reduzir a liberação de mediadores inflamatórios, reduzir a síntese de prostaglandina e diminuir a permeabilidade capilar. A formação secundária do edema e hemorragia é reduzida em função de um efeito inibitório sobre os mediadores e da permeabilidade capilar reduzida.
    Limitando-se o grau de inflamação, inibem-se os efeitos dos componentes remanescentes quando se limitam os mediadores inflamatórios, reduz o grau de hemorragia e de edema, quando se diminui a pressão mecânica sobre os nervos, reduz a dor. A medida que o espasmo muscular e o edema são reduzidos existe menos congestão na área e a quantidade de morte celular secundária por hipóxia é limitada [5].
    Embora a crioterapia venha prestando inestimável auxílio, principalmente na presença dos característicos sinais e sintomas de uma inflamação aguda e processo álgico, nem sempre sua aplicação tem ocorrido de maneira adequada, o que pode ser em parte, por falta de pesquisas nessa área. Este trabalho tem por objetivo realizar um levantamento bibliográfico dos benefícios da crioterapia contribuindo assim para o seu melhor uso.

Método
    Foram pesquisados artigos e experimentos científicos, livros e sites com referencias no assunto, enfatizando a crioterapia no processo álgico e inflamatório. Utilizando como bases de dados: definição, objetivos, efeitos fisiológicos, mecanismos e técnicas de atuação e como descritores: crioterapia, analgesia, dor e processo inflamatório.

Discussão
    Enquanto a temperatura da pele pode ser mudada abrupta e acentuadamente com aplicação de frio, os tecidos mais profundos são resfriados bem menos e muito mais lentamente. Leva-se cerca de 30 minutos para baixar 3,5º C da temperatura de um músculo a uma profundidade de 4 cm. O tecido muscular localizado 2,5 cm pode levar até 20 minutos ou mais para cair 5º C [3].
    Guirro et al. [16], em sua revisão também concluíram que o gelo poderia ser útil para uma variedade de dores musculoesqueléticas, ainda que as evidências sobre sua eficácia precisem ser estabelecidas de forma mais convincente. Kitchen & Bazin [10], do mesmo modo constataram que apesar do gelo ser comumente aplicado e das evidências de seu efeito analgésico de curta duração, há uma completa ausência de experimentos que comparem gelo/frio com um grupo controle ou sem tratamento.
    Bolsas de gelo promovem uma queda de 20,3ºC, numa temperatura de contato de 0 a 3º C, após 3 minutos. Enquanto a massagem com gelo uma queda de 26,6ºC na temperatura do gelo de 2º C, após 10 minutos de aplicação [10].
    De acordo com Guirro et al. [17], recomenda-se aplicação do frio durante 20 a 30 minutos com intervalo de duas horas nos tecidos moles lesados. Aplicação deve ser realizada durante as primeiras 24 a 48 horas após a lesão para minimizar o edema, espasmo muscular e dor.
    Corrigan & Maitland [18], constataram que a temperatura intra-articular do joelho caía em média 4,9º C devido a uma aplicação de flocos de gelo aplicados por 30 minutos na frente do joelho. Esta temperatura intra-articular notavelmente baixa está associada com uma queda de 16,4º C da temperatura do joelho dessas pessoas normais. A escassez de gordura subcutânea sobre a articulação do joelho pode ser responsável pela temperatura intra-articulares mais baixa do que o esperado.
    Foi demonstrado que a temperatura intramuscular pode chegar até a atingir 2º C. As temperaturas intramusculares continuam a declinar depois da remoção do agente, e o resfriamento persiste por várias horas. A temperatura das articulações parece permanecer baixa em seguida a aplicação do frio, embora alguns pesquisadores tenham comunicado uma breve elevação inicial na temperatura [10].
    A diminuição da dor ocorre através da redução na velocidade de condução nervosa após a aplicação da crioterapia. A transmissão pode ser reduzida até em 29,4% após uma aplicação fria de 20 minutos, com a condução continuando deteriorada por até 30 minutos após ter sido removida a modalidade fria [4].
    Gould III [7], descreve que a bolsa de gelo é colocada sobre a região alvo e recoberta com uma toalha. Esta bolsa é aplicada por 10 a 20 minutos ou até que seja percebida uma leve dormência. O resfriamento local é aplicado de uma a quatro vezes por dia. Durante a fase aguda que tem sido definida como sendo 24 horas após a lesão até 72 horas, ou enquanto persistir o edema e o aumento de temperatura.
    Delisa [13], fala que com a aplicação do gelo a temperatura da pele inicialmente diminui rapidamente e em seguida mais lentamente aproximando-se de um equilíbrio em cerca de 12 a 13º C em 10 minutos. As temperaturas subcutâneas declinam mais lentamente e diminuem de 3 a 5º C em 10 minutos. Profundamente as temperaturas intramusculares diminuem menos e após 10 minutos tem perda de 1º C ou menos. Resfriamento por longos períodos geram resfriamento mais pronunciado com temperaturas intramusculares do antebraço diminuindo de 6 a 16º C após 20 minutos à 3 horas de resfriamento. Após decorrido as primeiras 48 horas o uso da crioterapia é de preferência, após esse período a utilização do gelo por 10 a 20 minutos pode ser utilizada para a diminuir a dor associada a exercícios ativos.
    Se o resfriamento for intenso 20 a 70º C negativos, o tecido é destruído como na criocirurgia. Durante as aplicações da medicina esportiva, o tecido em geral é resfriado a uma temperatura superficial de 1 a 10º C, a diminuição do metabolismo é o efeito mais importante da aplicação do frio no tratamento imediato porque limita hipóxia secundária da lesão. Outros efeitos são a diminuição do espaço muscular e dor [1].
    A aplicação de frio durante 20 a 30 minutos, repetida a cada duas horas é um uso eficiente e bem tolerado do frio no manejo das lesões musculoesqueléticas agudas [15].
    A aplicação do frio diminui a permeabilidade celular, o metabolismo celular e o acúmulo do edema e deveria ser continuada em aplicações de 5 a 45 minutos durante pelo menos 72 horas após o trauma inicial [2].
    A duração do tratamento varia de 15 a 30 minutos e ele pode ser repetido, se necessário. Em virtude dos efeitos duradouros com o frio as aplicações devem ser feitas com no mínimo duas horas de intervalo sendo utilizadas por 24 a 72 horas após a lesão aguda [5].
    Segundo Placzek & Boyce [12], a temperatura ideal para se obter os efeitos fisiológicos da crioterapia é de 15 a 25º C as mudanças de temperatura foram registradas até uma profundidade de 4 cm. Onde os pacientes com pouco tecido subcutâneo mostraram resfriamento mais significativo com um tempo de tratamento muito mais curto. Um tratamento de 5 minutos com massagem de gelo na extremidade inferior diminui a temperatura da pele em 20º C e a do tecido subcutâneo em 15º C. Já a temperatura muscular a uma profundidade a 2 cm é diminuída em 5º C e, a uma profundidade de 4 cm , em 4º C. O gelo utilizado na fase subaguda ou crônica tem como finalidade diminuir a dor e espasmo muscular o que pode permitir alcançar objetivos com mobilização articular, alongamento ou exercícios de reforço.

Conclusão
    Após a realização deste trabalho foi possível verificar que a crioterapia tem seus benefícios alcançados quando utilizada logo após a lesão sendo mantida durante a fase aguda, entre 24 a 72 horas. Após este período outros recursos são mais indicados e mais eficazes. O tempo de aplicação deverá variar de 15 a 30 minutos dependendo da situação e da técnica utilizada, oferecendo um intervalo de 2 horas entre cada aplicação.
    É necessário que estudos mais aprofundados sobre o tema sejam desenvolvidos para que se possa aproveitar ainda mais dos seus benefícios, principalmente em relação a temperatura e a técnica ideais. Com isso, os profissionais da área poderão proporcionar a seus pacientes melhor qualidade no tratamento e uma reabilitação mais precoce, possibilitando o retorno dos mesmos para suas atividades diárias e esportivas.
 
 
 
 
 

Referências
  • Knight, K. L. Crioterapia no Tratamento das Lesões Esportivas. São Paulo: Manole, 2000.
  • Prentice, W. E. Modalidades Terapêuticas em Medicina Esportiva. São Paulo: Manole, 2002.
  • Low, J.; Reed, A. Eletroterapia Explicada: princípios e prática. São Paulo: Manole, 2001.
  • Andrews; Harrelson; Wilk. Reabilitação Física das Lesões Desportivas. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
  • Starkey, C. Recursos Terapêuticos em Fisioterapia. São Paulo: Manole, 2001.
  • Rodrigues, A. Crioterapia: fisiologia e técnicas terapêuticas. São José do Rio Preto: Cefespar, 1995.
  • Goud III, J. A. Fisioterapia na Ortopedia e na Medicina do Esporte. São Paulo: Manole, 1993.
  • Guirro, E; Guirro, R. Fisioterapia Dermato Funcional. 3. ed. São Paulo: Manole, 2002.
  • Hayes, K. W. Manual de Agentes Físicos: recursos fisioterapêuticos. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.
  • Kitchen, S; Bazin, S. Eletroterapia de Clayton. 10. ed. São Paulo: Manole, 1998.
  • Cailliet, R. Doenças dos Tecidos Moles. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
  • Placzek, J. D.; Boyce, D. A. Segredos em Fisioterapia Ortopédica. Porto Alegre: Artmed, 2004.
  • DeLisa, J. A. Medicina de Reabilitação: princípios e prática. 2 ed. São Paulo: Manole, 2002.
  • Rosa, G. M. M; Nunes, C. B; Oliveira, J. S. Efeitos Fisiológicos da Crioterapia na Inflamação Aguda por Traumatismo Fechado: uma revisão. Reabilitar 14: 16-22- 2002.
  • Denegar, G. R. Modalidades Terapêuticas para Lesões Atléticas. São Paulo: Manole, 2003.
  • Guirro, R.; Adib, C.; Máximo, C. Os Efeitos Fisiológicos da Crioterapia: uma revisão. Rev. Fisioter. Univ. São Paulo, v 6, n 2, p.164-70, jul/dez, 1999.
  • Guirro, R.; Davini, R.; Nunes, C. V. As Respostas Musculares Induzidas após o Resfriamento Local. Anais do IX Congresso Brasileiro de Biomecânica. 2001.
  • Corrigan, B.; Maitland, G. D. Ortopedia e Reumatologia: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Premier, 2000

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Disfunção da articulação sacro-ilíaca em jovens com dor lombar

Fisioterapia em Movimento (Impresso)

version ISSN 0103-5150

Fisioter. mov. (Impr.) vol.23 no.3 Curitiba July/Sept. 2010

doi: 10.1590/S0103-51502010000300009 

ARTIGOS CIENTÍFICOS

Disfunção da articulação sacro-ilíaca em jovens com dor lombar

Sacroiliac joint dysfunction in young adults with low back pain


Carolina Ramírez RamírezI; Diana Marina Camargo LemusII
IMestre, professora da Escola de Fisioterapia da Universidade Industrial de Santander, Bucaramanga - Colômbia, e-mail: fisiocaro@yahoo.es
IIMestre, professora Escola de Fisioterapia da Universidade Industrial de Santander, Bucaramanga - Colômbia, e-mail: dcamargo@uis.edu.co




RESUMO
INTRODUÇÃO: A dor lombar representa um problema de saúde pública. Estima-se que uma elevada porcentagem de casos de dor lombar (85-90%) não tem uma causa conhecida. Acredita-se que a disfunção da articulação sacro-ilíaca possa explicar, em parte, essa alta porcentagem.
OBJETIVO: Determinar a frequência da disfunção da articulação sacro-ilíaca em jovens com dor lombar e descrever possíveis associações com características sócio-demográficas, clínicas e antropométricas da população estudada.
METODOLOGIA: A amostra foi selecionada por meio de entrevista direta. Sessenta e sete sujeitos (92,5% mulheres) com idade média de 21 ± 2,1 participaram do estudo. Foi realizado exame físico que incluiu a avaliação da dor à palpação, amplitude de movimento da flexão do quadril, funcionalidade avaliada por meio do Oswestry Disability Index, e realização de quatro provas de provocação de dor da articulação sacro-ilíaca (Gaenslen, thigh thrust, compressão ilíaca e compressão sacra). O diagnóstico para disfunção da articulação sacro-ilíaca foi considerado positivo se pelo menos três das provas foram positivas.
RESULTADOS: A frequência de disfunção da articulação sacro-ilíaca foi de 35,8% IC 95% (24,0-47,6). Foi observada associação da disfunção da articulação com diminuição de flexibilidade dos isquiotibiais, pontuação do Oswestry Disability Index e dor à palpação. Não foram encontradas associações estatisticamente significativas com as variáveis sócio-demográficas.
CONCLUSÃO: A alta frequência de disfunção da articulação sacro-ilíaca encontrada sugere a possibilidade de detectar e intervir precocemente uma possível causa de dor lombar, evitando alterações funcionais de maior severidade.

Palavras-chave: Articulação sacro-ilíaca. Dor lombar. Avaliação da incapacidade.

ABSTRACT
INTRODUCTION: Low back pain (LBP) represents a public health problem. The etiology remains unknown in a high percentage of LBP (85-90%) and it has been suggested that the sacroiliac joint dysfunction may be responsible for this high percentage.
PURPOSE: To determine the frequency of sacroiliac joint dysfunction in young people with LBP and describe possible associations of the dysfunction with socio-demographic, clinical and anthropometric characteristics of the population.
METHODOLOGY: Subjects were selected by direct interview. Sixty seven subjects participated in the study (92.5% women), with age mean of 21 ± 2.1 years. Physical examination consisted of pain evaluation, hip flexion range of motion, assessment of the functionality using the Oswestry Disability Index and reproduction of pain by four tests (Gaenslen, thigh thrust, iliac compression and sacrum compression). The diagnosis of sacroiliac joint dysfunction was made if at least three of the tests were positive.
RESULTS: The sacroiliac joint dysfunction frequency was 35.8% CI95% (24.0-47.6). It was possible to observe association of sacroiliac joint dysfunction with the decreased hamstrings flexibility, Oswestry Disability Index score and pain during palpation. There were not significant associations between sacroiliac joint dysfunction and socio-demographic variables.
CONCLUSION: The high sacroiliac joint dysfunction frequency suggests a possibility for early detection and treatment of a possible cause of LBP which may avoid functional alterations of greater severity.

Keywords: Sacroiliac joint. Low back pain. Incapacity assessment.



Introdução
A dor lombar (DL) representa um problema de saúde pública graças ao alto índice de afastamento, incapacidade e perda da produtividade do trabalhador (1-3). Apesar do uso de ferramentas diagnósticas como raios X, ressonância magnética e tomografia axial computarizada, e de uma adequada avaliação clínica, estima-se que em 85% das pessoas portadoras de DL não é possível determinar a etiologia da doença (4). Acredita-se que a Disfunção da Articulação Sacro-ilíaca (DASI) possa explicar, em parte, esta alta porcentagem (5, 6).
DASI é o termo utilizado para descrever a dor sobre ou ao redor da articulação sacro-ilíaca (ASI), provavelmente por mal alinhamento ou movimento anormal nesta articulação (5-7). Estudos recentes mostraram que entre 13-30% das pessoas portadoras de DL apresentam DASI (7-10), portanto, este é um grupo populacional importante de ser investigado.
O diagnóstico clínico da DASI é complexo, em virtude das características anatômicas da articulação (como, por exemplo, a sua inervação) e pelo movimento restrito que possui (8, 9). Atualmente, considera-se que a prova de ouro para o diagnóstico de DASI seja o bloqueio anestésico intra-articular guiado por fluoroscopia (5, 9, 11, 12). No entanto, as provas de provocação de dor da ASI são reprodutíveis e válidas para diagnosticar essa disfunção (10, 13-15). Apesar disso, faltam estudos que avaliem a frequência de DASI em populações de jovens utilizando provas de provocação de dor da ASI. O objetivo deste trabalho foi determinar a frequência da DASI mediante o uso de um grupo de provas de provocação de dor em jovens com DL, analisar uma possível associação com alguns fatores sócio-demográficos, antropométricos e clínicos, bem como analisar a concordância entre as provas utilizadas para o diagnóstico da DASI.

Materiais e métodos
Sujeitos
Foi realizado um estudo descritivo de tipo exploratório, no período de março a agosto de 2006. Na fase inicial, 175 estudantes de segundo ano de Fisioterapia (20,82 ± 1,9 anos, 151 mulheres e 24 homens), selecionados por conveniência, preencheram o formulário de pré-seleção, fornecendo dados sócio-demográficos básicos e registrando a existência de dor lombar por meio de marcação da região da dor sobre um desenho corporal. Noventa e seis estudantes (58,4%) relataram DL e foram convidados a participar do estudo. Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: dor lombar (presença de dor entre L5 e a dobra glútea (16), dor há mais de quatro semanas de evolução (subaguda ou crônica), e intensidade igual ou superior a 3 na Escala Visual Analógica (EVA).
Foram excluídos os sujeitos em tratamento com anti-inflamatórios ou analgésicos, síndromes de dor crônica, fibromialgia, trigger point, doença de disco intervertebral diagnosticada (que tornaria conhecida a causa da DL), sinais de compressão nervosa (déficit sensitivo ou motor), presença do fenômeno de centralização (17, 18) (dor repetitiva na linha média da coluna, quando realizado o exame físico, que indicaria um resultado negativo nas provas usadas e possível lesão de disco), mulheres grávidas ou em período menstrual, pois a relaxina, hormônio produzido pelo corpo lúteo, gera lassitude ligamentosa e eventualmente dor na cintura pélvica, diferente da produzida pela DASI (19).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da universidade (Parecer n. 27650) e foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsinki. Os sujeitos que cumpriram os critérios de inclusão e aceitaram participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Avaliação
Idade e sexo foram as variáveis sócio-demográficas avaliadas para verificação de possível associação com a DASI. Altura e peso também foram avaliados para o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) com o objetivo de diferenciar os participantes com sobrepeso (IMC > 25) de aqueles com peso normal (IMC < 25).
A experiência da dor foi caracterizada de acordo com o seu tempo de evolução (sub-aguda: 4-12 semanas; crônica: mais de 12 semanas) (4) e intensidade por meio da aplicação da EVA (ao repouso e à palpação bilateral da região glútea) com pontuação de 0 a 10 cm, sendo que 0 cm significa ausência de dor e 10 cm a pior dor já sentida.
O exame físico foi composto de palpação a uma extensão de 10 cm abaixo e em sentido vertical, e 3 cm lateral à espinha ilíaca póstero-superior (EIPS) [(Sinal de Fortin (20)] para verificação de relato de dor. A flexibilidade dos isquiotibiais foi medida por meio do arco de movimento da flexão do quadril com joelho estendido (straight raise leg test), sendo que um movimento inferior a 70º era indicativo de encurtamento da musculatura analisada (21). Para avaliar essa variável foi usado o goniômetro universal, o participante foi posicionado em supino com o membro não avaliado estendido sobre a maca. Enquanto isso, o membro avaliado foi elevado lentamente, mantendo o joelho em extensão até o avaliador perceber uma firme resistência e o participante confirmar que a flexão completa tinha sido atingida. O avaliador garantiu que o movimento do segmento avaliado fosse realizado unicamente no plano sagital (22).
A funcionalidade foi avaliada por meio da utilização do Oswestry Disability Index (ODI) que varia de 0 até 50, sendo que quanto maior a pontuação, maior a limitação funcional (23).
As provas de provocação de dor foram selecionadas com base em estudos prévios que obtiveram bons resultados de reprodutibilidade e validade (5, 10, 13, 14, 24-26). As provas foram aplicadas em todos os sujeitos por uma fisioterapeuta com experiência na área ortopédica, seguindo as recomendações de Palmer et al. (27), Magge D (28), e Laslett et al. (13). As provas são descritas a seguir na mesma ordem de aplicação:
1) Prova de Gaenslen: sujeito em posição supina, no extremo inferior da maca, de forma que um dos membros inferiores pudesse ser hiperestendido. Flexionou-se o quadril e o joelho direito até o máximo possível, enquanto o esquerdo ficou estendido fora da maca. O examinador aplicou uma pressão nos joelhos no sentido dos movimentos antes descritos. A manobra foi repetida flexionando o membro esquerdo;
2) Compressão Ilíaca: com o sujeito em decúbito lateral, foram flexionados os quadris e os joelhos a 90°. O examinador, ajoelhado sobre a maca, aplicou uma força verticalmente em direção descendente sobre a região superior da crista ilíaca, mantendo os cotovelos estendidos. A prova foi realizada em decúbito lateral direto e esquerdo;
3) Thigh thrust: o sujeito em supino, com abdução leve do quadril, flexão do quadril e do joelho em 90º, aplicou-se pressão em sentido vertical sobre o eixo longitudinal do fêmur. O procedimento foi realizado em cada membro inferior;
4) Compressão sacra: com o sujeito em decúbito prono, o avaliador pôs uma de suas mãos sobre a superfície posterior e medial do sacro, enquanto a outra mão foi colocada sobre a EIPS do lado avaliado. Aplicou-se uma força em sentido anterior e perpendicular, simultaneamente sobre as regiões mencionadas. A prova foi realizada sobre a EIPS direita e esquerda.
As provas foram consideradas positivas quando houve presença de dor na ASI ou na área glútea unilateral, e negativa quando houve dor na região lombar, centralização ou ausência de dor durante sua aplicação. O diagnóstico de DASI consistiu em registro positivo em três das quatro provas descritas (13, 14, 18).

Análise dos dados
As variáveis foram descritas aplicando medidas de tendência central e dispersão ou tabelas de frequência, segundo a natureza e distribuição de cada variável. A avaliação de possíveis associações entre as variáveis do estudo com a presença de DASI realizou-se aplicando a prova de χ2 (vaiáveis medidas em escala nominal), e o teste t de Student (variáveis medidas em escala de razão) para grupos independentes. A concordância entre as provas foi avaliada mediante o Kappa de Cohen (29). A validação dos dados foi feita aplicando a rotina VALIDATE de Epi-Info 6,02. Após a validação dos dados, a análise estatística foi realizada utilizando-se o pacote estatístico Stata® 9.0 (30, 31). Foi considerada significância de 5%.

Resultados
Foram entrevistados 175 estudantes na pré-seleção, e 96 deles (58,4%) manifestaram DL. Dos 96 estudantes com DL, apenas 67 (21,1 ± 2,1 anos, 62 mulheres e 5 homens) concluíram o estudo. Destes 67 participantes, 24 (35,8% IC 95% 24,0-47,6) foram diagnosticados com DASI, sendo que 22 foram mulheres (91,6%) (Figura 1).



O IMC foi maior que 25 em 12 participantes, sendo que 50% deles apresentaram DASI. A Tabela 1 apresenta os resultados do exame físico e as associações das variáveis do estudo segundo a presença da DASI.



A DL sub-aguda foi observada em três participantes (4,5%) e a dor crônica foi registrada em 64 pessoas (95,5%). Em 100% dos indivíduos com DASI a DL foi do tipo crônica. A intensidade média de dor no EVA durante o repouso e a palpação foi de 5,4 e 6,3, respectivamente. Nos sujeitos com DASI, as pontuações na EVA foram superiores, quando comparadas com a ausência da disfunção (Tabela 1).
Os 67 sujeitos apresentaram encurtamento bilateral da musculatura isquiotibial (57,1° ± 3,01). Foi encontrada uma pontuação de 9,6 ± 6,1 quando aplicado o ODI, sendo que os portadores de DASI apresentaram maior pontuação, indicando maior limitação funcional quando comparados com sujeitos sem a disfunção (Tabela 1).
Os registros positivos das provas aplicadas mostraram que a prova de compressão sacra registrou a maior frequência, seguida pela prova de compressão lateral. Considerando a presença de DASI, a prova compressão sacra foi positiva em 100% dos sujeitos com DASI, seguida pela thigh thrust e compressão ilíaca (Figura 2).



Ao avaliar a concordância entre as provas, foi encontrado Kappas entre 0,27 e 0,38. Os maiores valores foram observados para a prova compressão sacra com compressão ilíaca (0,38), compressão sacra com thigh thrust (0,37) e a prova de Gaenslen com a thigh thrust (0,37), enquanto que as provas restantes tiveram Kappas inferiores a 0,30.
Não foram encontradas associações estatisticamente significativas com a DASI quando analisadas as variáveis sócio-demográficas, tempo de evolução e intensidade da dor ao repouso. No entanto, houve associação significativa quando se considerou dor à palpação (p = 0,01), encurtamento bilateral da musculatura isquiotibial (p = 0,03) e funcionalidade avaliada por meio da aplicação do ODI (p = 0,02) (Tabela 1).

Discussão
Para o nosso conhecimento, este é o primeiro trabalho a reportar a presença de DASI em um grupo de indivíduos jovens com DL. A frequência de DASI (35,8%) encontrada no presente estudo foi similar à relatada em estudos prévios que utilizaram como diagnóstico a injeção intra-articular de anestésico guiada por fluoroscopia (11, 12, 14, 32). Isso sugere que é viável fazer o diagnóstico de DASI usando provas clínicas, as quais podem diminuir ou evitar a utilização de procedimentos invasivos, muitas vezes, desnecessários.
Considerando os resultados de concordância entre as provas deste trabalho, é possível sugerir que a utilização das provas compressão sacra, compressão ilíaca e thigh thrust seriam as mais adequadas para o diagnóstico fisioterapêutico de DASI.
Embora outros autores não tenham analisado a correlação entre as provas, os resultados deste estudo poderiam se relacionar com maior prevalência, sensibilidade e valor preditivo negativo (VPN) para a thigh thrust (50%, 0,88, 0,92, respectivamente) quando comparada com a injeção de anestésico (14). Laslett et al. (14) registraram também valores moderados de sensibilidade, especificidade, VPN e valor preditivo positivo (VPP) (0,69; 0.69; 0,82 e 0,52; respectivamente) para a prova de compressão ilíaca, bem como sensibilidade de 0,63, especificidade de 0,75, VPN de 0,80 e VPP de 0,56 para a compressão sacra, quando comparada com a injeção de anestésico.
Neste trabalho, a prova de compressão sacra foi positiva em todos os indivíduos com diagnóstico de DASI, sendo também a prova com maior número de registros positivos nos sujeitos não portadores da disfunção (Figura 1). A alta frequência de registros positivos na prova de compressão sacra observada neste estudo pode ter sido influenciada pela não aleatorização na ordem de aplicação das provas, o que constitui uma possível limitação deste trabalho. Porém, Laslett et al. (14) aponta que a prova de compressão sacra, com a thigh thrust, possui uma influência forte sobre a capacidade diagnóstica de um grupo de provas de provocação de dor, quando se observa a área embaixo da Curva Operador Receptor (COR), a qual registrou um valor de 0,819 quando aplicadas essas duas provas em conjunto.
O critério para o diagnóstico de DASI foi baseado no registro positivo de três das quatro provas de provocação de dor, como previamente descrito (13, 14, 18). Esses trabalhos compararam um grupo de provas de provocação de dor com a injeção intra-articular de anestésico e encontraram que três dessas provas positivas foram suficientes para o diagnóstico de DASI.
Nesse sentido, Laslett et al. (14) reportaram sensibilidade de 93,8%, especificidade de 78,1%, VPP 0,68, VPN 0,96 e área embaixo da COR de 0,842 quando comparou a injeção de anestésico, com a realização conjunta das provas de distração, thigh thrust, Gaenslen, compressão ilíaca e compressão sacra. Van-der-Wurff et al. (10) estudaram as provas de distração, compressão ilíaca, compressão sacra, Gaenslen, Patrick-FABER e thigh thrust, e relataram que quando três ou mais destas provas foram positivas, verificou-se probabilidade de 65-93% de que a origem da dor fosse a ASI. Os mesmos autores também demonstraram sensibilidade de 0,85; especificidade de 0,79; VPP 0,77; VPN 0,87 e área embaixo da COR de 0,77, quando o diagnóstico é realizado considerando três dessas provas positivas.
Os trabalhos anteriores apoiam o uso das provas aplicadas neste estudo na prática fisioterapêutica cotidiana. Quando essas provas são realizadas por profissionais treinados, há possibilidade de realizar um diagnóstico correto (15), e isso pode diminuir a realização de procedimentos invasivos.
A associação positiva da DASI com a dor à palpação observada neste trabalho está de acordo com os achados de Fortin et al. (20), os quais reportaram reprodutibilidade excelente interavaliadores (Kappa = 0,96) para a presença deste sinal em indivíduos com DASI, bem como VPP de 0,87 para o diagnóstico de doença na ASI, quando comparado com a injeção intra-articular de anestésico.
O IMC não mostrou associação com a presença de DASI, possivelmente por causa do pequeno número de indivíduos com sobrepeso (n = 12). Esses resultados coincidem com o trabalho de Irwin et al. (33), que também não encontraram associação da DASI com a idade e o IMC. No entanto, a idade média dos sujeitos avaliados no estudo citado foi de 53,31 anos. Entretanto, é interessante observar que no presente estudo 50% dos sujeitos com sobrepeso apresentaram DASI. Isso poderia sugerir que o aumento de peso sobrecarrega a coluna lombar e a região pélvica, predispondo à maior degeneração articular (34), aumentando desta forma a probabilidade de desenvolver DASI.
O encurtamento dos isquiotibiais esteve presente em 100% dos participantes com DASI. Isso é interessante, já que a população deste estudo foi composta por indivíduos jovens e ativos. Para Calliet (35), o encurtamento dos isquiotibiais é um dos fatores que podem contribuir com a DL, devido à inserção e a sua influência no ritmo lumbo-pélvico. De outra parte, Kendall (36) afirma que isquiotibiais encurtados rodam a pelve em sentido posterior, reduzem a curvatura lombar, alteram o ritmo lumbo-sacro e geram um movimento compensatório na região lombar, e isso poderia sobrecarregar essa área e desencadear DL. Sendo assim, pode-se sugerir que a mudança no movimento do ilíaco afetaria a mecânica da ASI, alterando sua habilidade para absorver forças de reação do solo e de diminuir o cisalhamento sobre os discos intervertebrais durante a marcha (37). Deste modo, a DASI elevaria a carga sobre a região lombar, gerando uma potencial DL.
Os resultados do ODI mostraram limitação funcional de leve a moderada nos indivíduos com DASI. Segundo Fairbank et al. (23), essa pontuação equivale a 21% de incapacidade. Estes resultados demonstram o impacto que a DASI gera na funcionalidade de pessoas jovens. A associação significativa da limitação funcional com a DASI registrada neste estudo poderia estar relacionada com a presença simultânea de dor crônica, a qual tem mostrado impacto negativo sobre a funcionalidade das pessoas com esta condição (38).
Para o nosso conhecimento ainda não foi demonstrado na literatura a associação da DASI com a limitação funcional. Alguns autores descreveram somente a pontuação obtida com instrumentos de avaliação funcional, como o Roland-Morris 14 e o ODI (10), sem analisar a relação entre as variáveis. Portanto, este estudo é o primeiro a descrever essa associação. A associação positiva registrada neste trabalho fornece subsídios sobre a importância da DASI na função nas etapas precoces da vida adulta e sobre a importância da Fisioterapia na identificação e intervenção precoce desta condição, diminuindo, assim, o impacto negativo na qualidade de vida dos sujeitos com DASI em períodos tardios da vida adulta.
Uma das limitações deste trabalho é a homogeneidade da amostra estudada. Esse fato pode ter restringido a associação da DASI com algumas características sócio-demográficas analisadas. Por isso, a caracterização da DASI no âmbito populacional precisa de estudos com uma amostra maior, que permita determinar a sua prevalência, bem como a presença de fatores associados, fornecendo subsídios para o planejamento e execução de programas preventivos e terapêuticos.

Conclusão
A frequência da DASI registrada neste estudo indica a necessidade de diagnosticar e intervir de forma precoce numa potencial causa de DL, visando a melhorar a qualidade de vida das pessoas portadoras dessa disfunção. Dentre os fatores associados destacam-se o encurtamento da musculatura isquiotibial e a limitação funcional dos sujeitos portadores de DASI. De outro lado, o presente estudo sugere a utilidade das provas de provocação de dor da ASI como método de diagnostico clínico na prática fisioterapêutica cotidiana.

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Trabalho apresentado no XXVII Congresso Brasileiro de Reumatologia, atesta benefícios aos pacientes idosos com dores musculoesqueléticas quando submetidos à atividade física!





Muitas vezes, os idosos que sofrem de dores crônicas evitam os exercícios, com medo de que os sintomas piorem. Entretanto, um novo estudo apresentado em setembro no Congresso Brasileiro de Reumatologia indica que a prática de atividades físicas pode ser benéfica para pessoas com problemas musculoesqueléticos, ajudando a reduzir a dor e a melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida desses pacientes. “A prática de exercícios físicos é recomendada para a promoção da saúde, melhora na qualidade de vida e no tratamento de doenças musculoesqueléticas e cardiovasculares”, escreveram os pesquisadores da PUC de São Paulo.
O estudo incluiu um grupo da terceira idade da Associação Cristã de Moços da cidade de Sorocaba, que mantinha atividades físicas regulares sob supervisão de professores de educação física. E as avaliações foram realizadas em quatro momentos - antes da prática, na primeira entrevista, e após 60 e 90 dias do início do programa - com questionário de dados demográficos, Escala Visual Analógica, Questionário de Avaliação de Saúde (HAQ) e Medical Outcome Study Short Form-36 Health Survey (SF36).
Avaliando os 34 participantes, os pesquisadores notaram que os exercícios físicos estavam associados a uma melhora significativa na capacidade funcional, na dor, em aspectos sociais e na saúde física e mental dos voluntários. Por outro lado, não houve diferenças em fatores como vitalidade e limitação por aspectos físicos e emocionais.
“Embora não haja um objetivo específico em relação ao tratamento de doenças crônicas, e sim apenas promoção a saúde, essas atividades podem beneficiar pacientes portadores de patologias várias, entre elas as musculoesqueléticas, como as reumáticas”, escreveram os autores do estudo. “A pesquisa foi realizada em uma organização não governamental e mostrou melhora na dor, na capacidade funcional e qualidade de vida dos pacientes com dor crônica”, concluíram os especialistas.
Fonte: XXVIII Congresso Brasileiro de Reumatologia. Mesa de Tema Livre: Medicina física e reabilitação. 19 de setembro de 2010.

Efeitos de exercícios aeróbicos e de resistência sobre os níveis de hemoglobina A1c em pacientes com diabetes tipo 2



 


Diretrizes de exercícios para indivíduos com diabetes incluem tanto exercícios aeróbicos como exercícios de resistência, embora poucos estudos avaliaram diretamente esta combinação de exercícios.

Pesquisadores publicaram, recentemente, no Journal of the American Medical Association, um estudo em que avaliaram os benefícios de exercícios aeróbicos isolados, de exercícios de resistência isolados e a combinação de ambos sobre os níveis de hemoglobina A1c (HbA1c) em pacientes com diabetes tipo 2.

Foi realizado um ensaio clínico randomizado, controlado, em que 262 homens e mulheres sedentários de Louisiana, com diabetes tipo 2 e níveis de HbA1c > 6,5% foram incluídos em um programa de exercícios por nove meses, entre Abril de 2007 e Agosto de 2009. Quarenta e um pacientes foram alocados para o grupo controle sem exercícios físicos, 73 indivíduos a exercícios de resistência três vezes por semana, 72 indivíduos a exercícios aeróbicos no qual gastavam 12 kcal/kg por semana, e 76 indivídos foram alocados a exercícios aeróbicos e de resistência no qual gastavam 10 kcal/kg por semana e aderiram a exercícios de resistência duas vezes por semana. O principal desfecho analisado foi a alteração do nível de HbA1c. Desfechos secundários incluíram medidas antropométricas e a forma física.

O estudo incluiu 63% de participantes do sexo feminino e 47,3% de participantes não caucasianos, com idade média de 55,8 + 8,7 anos, com nível basal de HbA1c de 7,7% + 1,0%. Comparado ao grupo controle, a alteração absoluta média de HbA1c no grupo de exercícios combinados foi igual a –0,34% (IC95% = –0,64% a –0,03%; P = 0,03). As alterações médias de HbA1c não foram estatisticamente significativas tanto no grupo de exercícios de resistência (–0,16%; IC95% = –0,46% a 0,15%; P = 0,32) quanto no grupo de exercícios aeróbicos (–0,24%; IC95% = –0,55% a 0,07%; P = 0,14), comparados ao grupo controle. Apenas o grupo de exercícios combinados melhorou o consumo máximo de oxigênio (média = 1,0 mL/kg/min; IC95% = 0,5 – 1,5; P < 0,05), comparado ao grupo controle. O grupo de exercícios de resistência perdeu em média 1,4 kg de massa adiposa (IC95% = –2,0 a –0,7 kg; P < 0,05) e o grupo de exercícios combinados perdeu, em média, 1,7 kg (–2,3 a –1,1 kg; P < 0,05), comparado ao grupo controle.

Os pesquisadores concluíram que, em pacientes com diabetes tipo 2, a combinação de exercícios aeróbicos e de resistência, comparados ao grupo controle sem exercícios físicos, melhora os níveis de HbA1c. Esta melhora não é obtida com exercícios aeróbicos ou com exercícios de resistência isoladamente.

 Original

Effects of Aerobic and Resistance Training on Hemoglobin A1c Levels in Patients With Type 2 Diabetes

A Randomized Controlled Trial

  1. Timothy S. Church, MD, MPH, PhD;
  2. Steven N. Blair, PED;
  3. Shannon Cocreham, BS;
  4. Neil Johannsen, PhD;
  5. William Johnson, PhD;
  6. Kimberly Kramer, MPH;
  7. Catherine R. Mikus, MS;
  8. Valerie Myers, PhD;
  9. Melissa Nauta, BS;
  10. Ruben Q. Rodarte, MS, MBA;
  11. Lauren Sparks, PhD;
  12. Angela Thompson, MSPH;
  13. Conrad P. Earnest, PhD
[+] Author Affiliations
  1. Author Affiliations: Pennington Biomedical Research Center, Louisiana State University System, Baton Rouge (Drs Church, Johannsen, Johnson, Myers, and Earnest; Mss Cocreham, Kramer, Nauta, and Thompson; and Mr Rodarte); Arnold School of Public Health, University of South Carolina, Columbia (Dr Blair); Department of Nutrition and Exercise Physiology, University of Missouri, Columbia (Ms Mikus); and Department of Human Biology, NUTRIM School for Nutrition, Toxicology and Metabolism, Maastricht University Medical Centre, Maastricht, the Netherlands (Dr Sparks).

Abstract

Context Exercise guidelines for individuals with diabetes include both aerobic and resistance training although few studies have directly examined this exercise combination.
Objective To examine the benefits of aerobic training alone, resistance training alone, and a combination of both on hemoglobin A1c (HbA1c) in individuals with type 2 diabetes.
Design, Setting, and Participants A randomized controlled trial in which 262 sedentary men and women in Louisiana with type 2 diabetes and HbA1c levels of 6.5% or higher were enrolled in the 9-month exercise program between April 2007 and August 2009.
Intervention Forty-one participants were assigned to the nonexercise control group, 73 to resistance training 3 days a week, 72 to aerobic exercise in which they expended 12 kcal/kg per week; and 76 to combined aerobic and resistance training in which they expended 10 kcal/kg per week and engaged in resistance training twice a week.
Main Outcome Change in HbA1c level. Secondary outcomes included measures of anthropometry and fitness.
Results The study included 63.0% women and 47.3% nonwhite participants who were a mean (SD) age of 55.8 years (8.7 years) with a baseline HbA1c level of 7.7% (1.0%). Compared with the control group, the absolute mean change in HbA1c in the combination training exercise group was −0.34% (95% confidence interval [CI], −0.64% to −0.03%; P = .03). The mean changes in HbA1c were not statistically significant in either the resistance training (−0.16%; 95% CI, −0.46% to 0.15%; P = .32) or the aerobic (−0.24%; 95% CI, −0.55% to 0.07%; P = .14) groups compared with the control group. Only the combination exercise group improved maximum oxygen consumption (mean, 1.0 mL/kg per min; 95% CI, 0.5-1.5, P < .05) compared with the control group. All exercise groups reduced waist circumference from −1.9 to −2.8 cm compared with the control group. The resistance training group lost a mean of −1.4 kg fat mass (95% CI, −2.0 to −0.7 kg; P < .05) and combination training group lost a mean of −1.7 (−2.3 to −1.1 kg; P < .05) compared with the control group.
Conclusions Among patients with type 2 diabetes mellitus, a combination of aerobic and resistance training compared with the nonexercise control group improved HbA1c levels. This was not achieved by aerobic or resistance training alone.
Trial Registration clinicaltrials.gov Identifier: NCT00458133

Estudo mostra relação entre LER/DORT e Fibromialgia.

Ciência & Saúde Coletiva

version ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.15 no.3 Rio de Janeiro May 2010

doi: 10.1590/S1413-81232010000300023 

TEMAS LIVRES

Fibromialgia - interfaces com as LER/DORT e considerações sobre sua etiologia ocupacional

Fibromyalgia - interfaces to RSI and considerations about work etiology


Tatiana Teixeira ÁlvaresI; Maria Elizabeth Antunes LimaII
IDepartamento de Fisioterapia, Faculdade Pitágoras. Rua Timbiras 1375, Funcionários. 30140060 Belo Horizonte MG. r
IIDepartamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais




RESUMO
Através da comparação de dois grupos de pacientes, um de portadores de fibromialgia com diagnóstico anterior de LER/DORT e outro com diagnóstico apenas de fibromialgia, tentou-se compreender as relações entre as duas condições e também entre a fibromialgia e o trabalho. Foi utilizado o método biográfico, através de entrevistas em profundidade e construção de casos clínicos de seis pacientes portadoras de fibromialgia, sendo três de cada grupo. Observou-se que as pacientes do primeiro grupo apresentaram clara relação entre a evolução da doença e a sobrecarga ocupacional. Já as pacientes do segundo grupo apresentaram alguns dos sintomas desde infância ou adolescência, sendo que estes ficaram ainda mais intensos após vivenciarem experiências de forte impacto emocional. Além disso, essas pacientes relatavam história familiar de sintomas semelhantes aos da fibromialgia, ao contrário do primeiro grupo. Concluiuse que, em alguns pacientes portadores de fibromialgia, a sobrecarga ocupacional constitui um importante fator etiológico, podendo ser precedida pelas LER/DORT, e, nesses casos, o diagnóstico de fibromialgia pode estar sendo utilizado como uma tentativa de desvincular o nexo dos sintomas com o trabalho, impedindo o trabalhador de ter acesso aos benefícios previdenciários.
Palavras-chave: Fibromialgia, LER/DORT, Trabalho

ABSTRACT
Two groups of patients, one presenting symptoms of fibromyalgia and previous diagnostics of RSI (Repetitive Strain Injury), and the other only with fibromyalgia were compared in attempt to comprehend the relations between these two conditions and also between fibromyalgia and work. It was used the biographical method, with detailed interviews and creation of clinical cases from six patients with fibromyalgia, three of each group. It was noticed that patients from the first group showed a clear relationship between the disease's evolution and the overload of work. The patients of second group showed some of the symptoms since childhood or adolescence that became worse after they had suffered an emotionally strong impact. Also, these patients reported cases of similar symptoms of fibromyalgia in their families, on the contrary of the first group. It was conclude that in some patients with fibromyalgia, the overload work is an important etiologic factor, and could be preceded by RSI. In these cases the diagnosis of fibromyalgia could be used as an attempt of disassociate the relation between symptoms and the work, preventing the worker to get social security benefits.
Key words: Fibromyalgia, RSI, Work



Introdução
Os pacientes portadores de dores crônicas e generalizadas, sobretudo quando apresentam também algumas outras características como alterações do sono, gastrointestinais, transtornos de humor e outras, podem se deparar com um diagnóstico bastante comum atualmente: o de fibromialgia. Apesar dos critérios diagnósticos terem sido estabelecidos apenas em 1990, os sintomas dessa patologia já se apresentavam, sob diversas denominações, há mais de trinta anos.
Trata-se de uma condição que é alvo de estudos em várias especialidades médicas, pois apresenta um conjunto de sintomas que a caracterizam como uma síndrome. Os fatores etiológicos são diversos, embora não estejam totalmente desvendados, e os tratamentos propostos ainda pouco eficazes, sendo consideradas, inclusive, diversas abordagens multidisciplinares sem que se possa garantir um sucesso absoluto do tratamento.
O diagnóstico de fibromialgia tem sucedido e, não raro substituído, o de lesão por esforços repetitivos (LER) ou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT). Tal fato chamou nossa atenção, pois pacientes que tinham diagnósticos de distúrbios relacionados à sobrecarga de trabalho, ao serem ''transformados'' em fibromiálgicos, perdiam o nexo causal entre seus sintomas e a atividade profissional exercida.
Diante de um diagnóstico em que os fatores etiológicos ainda não foram completamente desvendados, algumas interrogações tornam-se inevitáveis: o trabalho pode contribuir para o surgimento da fibromialgia? As LER/DORT podem ocorrer concomitantemente à fibromialgia, ou poderiam constituir-se em um fator predisponente? As LER/DORT poderiam evoluir para um quadro de fibromialgia? Enfim, em que consiste efetivamente essa última entidade nosológica e em que ela se diferencia das LER/DORT?
É dentro desse contexto que pretendemos explorar o tema da fibromialgia, enfocando, de forma especial, suas possíveis relações com o trabalho, através de um estudo que deu origem a uma dissertação de mestrado.

Fibromialgia
Caracterização e etiopatogenia
A fibromialgia tem sido entendida como uma condição crônica que acomete uma proporção de 6 a 10 mulheres para cada homem1, consistindo em dor generalizada com mais de três meses de duração (definida como dor em ambos os lados, esquerdo e direito do corpo, bem como acima e abaixo da cintura), dor axial (dor na coluna cervical, torácica ou lombar, ou no tórax anterior), e dor à palpação de pelo menos onze de dezoito pontos específicos do corpo2,3. Além dessas características essenciais para a sua classificação, têm sido identificados, como manifestações clínicas da fibromialgia, sintomas como fadiga e sono não reparador, rigidez matinal, síndrome do cólon irritável (SCI), fenômeno de Raynaud, cefaléias, parestesias, palpitações, sensação de aumento do volume articular, síndrome uretral, dispepsia não-ulcerosa, tensão pré-menstrual, incômodo psicológico como depressão e ansiedade, e queixas cognitivas como problemas de memória e incapacidade para concentrar-se4,5.
Embora o American College of Rheumatology tenha estabelecido os critérios diagnósticos para a fibromialgia em 19902, posteriormente validados para a população brasileira3 , tal condição continua a ter uma caráter controverso, seja pelos diagnósticos equivocados que geralmente a precedem ou acompanham, seja pelo tratamento segmentado e pouco eficaz que seus portadores recebem.
As causas da fibromialgia ainda não foram totalmente desvendadas. Alguns estudos mostram a relação do início dos sintomas com um evento específico, como acidente automobilístico, sobrecarga no trabalho, local de trabalho ergonomicamente deficitário, lesão por esforço repetitivo e infecção6-9. Waylonis et al.7 fizeram referência a pesquisas que apontam para uma herança autossômica dominante como uma das causas dessa síndrome.
Riberto10, ao realizar a revisão na literatura para comparar as manifestações clínicas de pacientes portadores de fibromialgia traumática e não-traumática, observou que tanto os traumas físicos como os emocionais têm sido relacionados com o aparecimento de dor generalizada em relatos esporádicos da literatura, mas não é raro que pacientes relacionem seus sintomas a situações específicas de estresse emocional ou de sobrecarga do aparelho locomotor, como quando são submetidos a esforços, repetições, posturas inadequadas ou lesões diretas dos ossos e de partes moles.
Paiva11 ressaltou a importância do diagnóstico para o paciente, dizendo que: [...] quando o paciente recebe o diagnóstico de FM o manejo torna-se um pouco mais fácil, provavelmente por uma melhor compreensão da natureza benigna, porém crônica, do problema; há uma redução na procura de diagnósticos diferenciais por meio da solicitação exagerada de exames e um comprometimento maior do paciente no tratamento.
Após uma conferência sobre a neurociência e a endocrinologia da fibromialgia em 1996, Pillemer et al. 12 concluíram que: A fibromialgia tem sido considerada por muitos como uma síndrome difusa e nebulosa que está ''na cabeça do paciente''. Existem muitas evidências de que estas impressões têm em si um elemento de verdade - não pelo descaso com que tratam os pacientes com fibromialgia, mas pelo nível fisiológico. Muita da sintomatologia da fibromialgia é familiar em outros contextos a pesquisadores de áreas da dor, neurociência, endocrinologia e sono, particularmente quando se consideram os mecanismos mediados pelas vias centrais.
Muhammad Yunus13 propôs um modelo para a patofisiologia da fibromialgia, no qual sugeriu que o defeito primário na fibromialgia é uma disfunção complexa neuro-hormonal, levando a mecanismos centrais aberrantes de dor que, sozinhos, poderiam provocar o quadro em muitos pacientes.
Wolfe9 relata também a existência de um crescente número de pacientes que atribuem o início da fibromialgia a um evento específico de trauma ou acidente, mas identifica, na literatura, autores que admitem e outros que nunca estabeleceram tal relação. Pela falta de clareza e acordo quanto ao aspecto diagnóstico e patogênico da fibromialgia, segundo o autor, não raro esses pacientes são recebidos com insatisfação pelos médicos, pois estes se vêem envolvidos em aspectos legais referentes à doença com os quais ainda não sabem lidar adequadamente.
A fibromialgia, as LER/DORT e o contexto de trabalho
A clínica mostra cada vez mais pacientes fibromiálgicos com alguma queixa de sobrecarga ocupacional, mas os poucos estudos encontrados na literatura apontam somente para uma possível ''evolução'' de sintomas locais, típicos da LER/DORT, para sintomas generalizados, enfocando as possíveis alterações anátomo-fisiológicas envolvidas nesse processo. Esses estudos não abordam a situação de trabalho e nem seus impactos na saúde mental desses indivíduos, fatores de relevância pois, como já mencionado por vários autores, o início dos sintomas pode estar relacionado a uma condição de estresse físico e/ou psicológico.
A falta de consenso sobre o diagnóstico e tratamento da fibromialgia extrapola os limites da clínica e da pesquisa. O fato desta condição surgir também em contextos de trabalho exige um posicionamento do sistema de saúde e benefícios quanto à sua classificação, o que não tem acontecido. Em 1998, foi publicada uma Ordem de Serviço do INSS14 para aprovar a Norma Técnica sobre as LER/DORT, dividida em duas seções. A primeira trata da atualização clínica das LER/DORT e, a segunda, da norma técnica de avaliação da incapacidade laborativa para esse diagnóstico. Na seção I, ao discorrer sobre o diagnóstico das LER/DORT, a fibromialgia foi incluída no item 6.3 nos seguintes termos: As fibromialgias são predominantes em certos pacientes com LER, como os telefonistas. Nestes profissionais predominam as dores difusas, sem lesões específicas demonstráveis. [...] pode-se concluir que a fibromialgia é uma doença complexa que pode ter ou não um componente ocupacional importante. Cabe ao médico avaliar a existência do componente.
Entretanto, na seção II do mesmo documento, a fibromialgia foi classificada no item 2.3.2.5 como uma ''patologia não ocupacional'', revelando a ambiguidade com a qual o tema tem sido tratado pelos órgãos que deveriam, no entanto, orientar os profissionais de saúde.
Tal posicionamento (ou falta de posicionamento) do INSS quanto a uma possível etiologia ocupacional da fibromialgia nos remete à problemática das LER/DORT, cuja evolução tem sido também baseada na tentativa de descaracterização do seu nexo com o trabalho. Verthein e Gomez15 observam que essas afecções ''tornam-se, a partir dos anos 90, cada vez mais referendadas pela neuropsiquiatria'' e que essa referência ''apresenta-se como uma armadilha, servindo à instituição previdenciária para negar'' seu nexo ''com o trabalho''. Os autores expõem a trajetória das políticas previdenciárias, culminando em mudanças na sua estrutura que ''mantêm as mesmas diretrizes básicas quanto ao aumento das taxas de contribuição e à redução dos benefícios'', concluindo: [...] que esse caminho das reformas deixa a desejar quanto aos direitos trabalhistas sociais conquistados pelos trabalhadores ao longo da sua história e tem excluído, da globalizada reestruturação produtiva, não só os trabalhadores que adoecem, mas a própria doença do trabalho.
Na Austrália, as LER/DORT também passaram por toda essa descaracterização do nexo, sendo que tal problema foi abordado por autores que ''articulam uma rede discursiva de conceitos, mitos, valores e estratégias de ação''15, gerando o que denominam neuropsiquiatrização das LER, e transformando essa condição de etiologia física em psíquica. Nesse processo, as LER têm sido apontadas como produto da iatrogenia, sugerindo que as medidas preventivas poderiam estar levando ao agravamento do problema. Os trabalhadores teriam uma ''neurose profissional'' e estariam, na verdade, em busca de benefícios. Esse tipo de análise exclui por completo o trabalho na etiologia das LER, e, o mais complicado, transforma o trabalhador de vítima em explorador, ou seja, ele é acusado de simular um quadro osteomuscular para espoliar a previdência.
Conforme dissemos, o início dos sintomas da fibromialgia muitas vezes é precedido ou concomitante a um episódio de estresse físico ou psicológico, dor localizada ou mesmo infecção severa4,1. Assim como Reilly6, entendemos que tais problemas podem ser associados ao contexto de trabalho, pois segundo o autor, um número cada vez maior [de pacientes] atribui a doença à ergonomia deficiente no local de trabalho, ou mesmo à atividade, geralmente envolvendo a sustentação de posturas que solicitam a coluna lombar ou cervical, ou movimentos repetitivos das mãos e punhos.
Para esse autor, sintomas isolados ou em segmentos do corpo podem ser considerados como formas regionais de fibromialgia e, em vários casos, precedem aqueles mais generalizados, ou seja, os que fazem parte dos critérios de diagnóstico da doença. Ele considera o problema da fibromialgia nos contextos de trabalho como complexo e multifatorial.
Já Littlejohn16 e Helfenstein e Feldman17 são radicalmente contra qualquer aproximação da fibromialgia com o fator ocupacional, atribuindo essa síndrome somente a fatores psicológicos.
O estudo que será descrito a seguir teve por finalidade aprofundar nessa questão e contribuir, em certa medida, para superar essa polêmica.

Abordagem metodológica
O estudo baseou-se na realização de entrevistas em profundidade com pacientes que haviam recebido o diagnóstico de fibromialgia, sendo que alguns tiveram um diagnóstico anterior de LER/DORT, levando ao afastamento do trabalho, e outros foram diagnosticados apenas como fibromiálgicos, não havendo qualquer episódio anterior identificado como LER/DORT, nem envolvendo suas atividades profissionais.
Foram realizadas entrevistas com seis pacientes, todas do sexo feminino. A primeira entrevista foi conduzida com a intenção de coletar o maior número de informações possíveis sobre a evolução do problema de saúde da paciente, desenvolvimento dos sintomas, tratamentos realizados, história pessoal, incluindo uma pesquisa detalhada sobre o histórico ocupacional. Todas as pacientes consentiram com futuras entrevistas, se fosse necessário. Das seis pacientes, três foram entrevistadas pela segunda vez e uma foi entrevistada três vezes.
Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento das pacientes e transcritas para análise de conteúdo e construção de casos clínicos. Entrevistamos, inicialmente, as três pacientes que tinham diagnóstico de fibromialgia, mas relatavam também um componente de sobrecarga ocupacional em seus quadros, tendo recebido, em algum momento, o diagnóstico de LER/DORT. Em seguida, realizamos mais três entrevistas com pacientes que tinham diagnóstico de fibromialgia e não apresentavam história de sobrecarga ocupacional. Cabe esclarecer que o total de pacientes dos dois grupos não foi determinado previamente, mas estabelecido após os contatos quando percebemos que os dois grupos estavam bem configurados, sendo desnecessário acrescentar mais sujeitos ao estudo.

Análise dos casos clínicos
Os casos que compõem nosso estudo foram classificados em dois grupos: o de pacientes portadores de fibromialgia com história pregressa de sobrecarga ocupacional (e tendo sido inicialmente diagnosticados como portadores de LER/DORT), e o de pacientes portadores de fibromialgia sem história pregressa de sobrecarga ocupacional e, portanto, sem diagnóstico anterior de LER/DORT.
O primeiro grupo foi constituído por três mulheres, cujos sintomas caracterizados como decorrentes da fibromialgia tiveram seu início no contexto ocupacional, sendo, em um primeiro momento, diagnosticados como LER/DORT. Uma dela é dentista e as outras duas sempre trabalharam como secretárias. A dentista exercia como principal atividade, no período do surgimento dos sintomas, a moldagem de próteses removíveis e as duas secretárias realizavam diversas atividades, mas com predomínio da digitação. Ambas as secretárias apresentaram um quadro inicial típico de LER/DORT, e, após algum tempo, desenvolveram sintomas que preenchem os critérios de diagnóstico para a fibromialgia. No caso da dentista, a dor apresentou-se, inicialmente, no polegar direito e logo irradiou-se para esse membro superior e pescoço, e, em seguida, também para o membro superior esquerdo. Apesar de, posteriormente, essa paciente também ter apresentado outros sintomas que compõem a síndrome da fibromialgia, suas dores e pontos dolorosos se localizaram apenas na metade superior do corpo. Essa apresentação ''menos típica'' dos sintomas poderia ser classificada como uma ''forma regional'' de fibromialgia, que, segundo Reilly6, é uma ocorrência comum, apesar do ACR estabelecer como critério decisivo a dor nos lados direito e esquerdo do corpo e acima e abaixo da cintura.
A paciente que trabalhava como dentista também recebeu, em um primeiro momento, o diagnóstico de LER, que lhe foi omitido. Ela tomou conhecimento deste fato apenas quando, no processo de afastamento, teve acesso ao seu prontuário para documentar a evolução dos seus sintomas. Sua história ilustra bem algo que tende a tornar-se cada vez mais comum: o uso do diagnóstico de fibromialgia como forma de se descaracterizar o nexo entre os sintomas e o trabalho, em situações nas quais o exercício da atividade profissional é o principal fator etiológico.
As duas pacientes que atuaram como secretárias também têm uma história pregressa de sobrecarga ocupacional e, embora preencham os critérios do ACR para o diagnóstico da fibromialgia, apresentam uma história em que é evidente um quadro inicial característico de LER/DORT. Ambas iniciaram os sintomas realizando um trabalho cuja principal atividade era a digitação, além de submetidas a condições inadequadas, sobretudo do ponto de vista ergonômico. Esse aspecto, segundo Assunção e Rocha18, pode promover estresse físico e psíquico: Na atividade de digitação, além do estresse e da tensão psíquica decorrentes da organização do trabalho, observa-se que o mobiliário (cadeira e mesa) nem sempre apresenta as regulagens necessárias que garantam a sua adequação à diversidade anatômica dos seres humanos; o teclado e a tela, muitas vezes fixos, levam a posturas contraídas; é frequente a presença de reflexos causados pelo iluminamento inadequado e tela sem filtro antirreflexo e os documentos nem sempre são legíveis. As lesões por esforços repetitivos (LER) são consequência dessa forma de trabalho, onde os trabalhadores submetidos a um trabalho que não é organizado por eles e para eles, e sim pela lógica da produção capitalista, se expõem a: posto de trabalho inadequado, ambiente desfavorável (ruído e iluminamento), movimentos repetitivos em alta velocidade, tensão e estresse oriundos da organização de trabalho.
A coexistência dos dois diagnósticos pode ser explicada pela ocorrência concomitante e coincidente de duas entidades nosológicas distintas, pelo desenvolvimento da fibromialgia a partir de uma forma ''regional'' de apresentação da doença, ou pelo surgimento de duas patologias em decorrência de um mesmo fator etiológico, no caso, a sobrecarga gerada pelo trabalho. Podemos pensar ainda na possibilidade de evolução de um quadro de LER/DORT para um de fibromialgia.
Os sintomas das LER/DORT, apesar de, inicialmente, apresentarem-se de forma insidiosa, predominando mais no término ou em momentos de picos de produção nos contextos de trabalho, aliviam através do repouso. Com o decorrer do tempo, eles podem tornar-se frequentes durante toda a jornada, e também no exercício de outras atividades. Nesse momento, em geral, as pessoas procuram atendimento médico, devido às dificuldades que tais sintomas implicam no uso de suas capacidades funcionais. É comum, a partir daí, o tratamento baseado apenas em antiinflamatórios e sessões de fisioterapia, o que somente irá camuflar o problema sem atingir suas causas, caso não seja acompanhado de alterações nas condições e organização do trabalho. Com o passar do tempo, os sintomas, além de aparecerem espontaneamente, tendem a se manter de forma contínua, gerando crises de dor intensa, geralmente desencadeadas por movimentos bruscos, ou mesmo pequenos esforços físicos, alternância de temperatura, insatisfação e tensão19. Quando o paciente se encontra nesse grau de evolução das LER/DORT, geralmente tem a ''obrigação'' de comprovar a existência da doença, para justificar sua limitação ou incapacidade laborais.
Melo20 realizou um estudo sobre as condições do exercício profissional do médico perito da previdência social, no qual constata essa necessidade de comprovação do diagnóstico por parte do paciente: Aparentemente, o perito espera que o segurado demonstre, de forma inequívoca, sua condição de incapacidade, ou seja, apresente objetivamente comprovação que provoque nele, médico perito, convicção a respeito da condição alegada pelo segurado. [...]. Observou-se, entre os médicos peritos estudados, que a decisão médicopericial é percebida como sendo semelhante a um julgamento: ''todo mundo apresenta as provas, as provas verbais e as provas concretas escritas, daquilo que se está pleiteando''. 20
O processo de instalação e evolução das LER/DORT, descrito acima, está bem delineado no caso das pacientes do nosso grupo de portadores de fibromialgia com história pregressa de sobrecarga ocupacional, explicitando a condição prévia ou concomitante do acometimento por LER. Além desse processo ser insidioso, observamos nas histórias de duas dessas pacientes a postergação em procurar o atendimento médico, justificada pelo medo de perder o emprego. Em seu estudo, Oliveira19, diante de observações semelhantes, coloca uma questão: ''Serão as LER/DORT uma doença do medo ou agravadas pelo mesmo?''. A autora observa ainda, nos relatos dos seus pacientes, formas de relacionar-se com o trabalho, que também se aplicam aos casos aqui analisados, como uma grande dedicação às suas tarefas.
A limitação funcional das pacientes portadoras de fibromialgia com história de sobrecarga ocupacional ocasionou um período de afastamento, após o qual, com exceção de uma delas que se aposentou, tiveram que retornar ao trabalho. Apesar de o afastamento propiciar uma maior disponibilidade de tempo para o tratamento, a readaptação ao trabalho nem sempre é fácil, podendo consistir ''num processo angustiante, devido à situação de desvio de função''19. Esse aspecto se confirmou nos dois casos de retorno ao trabalho observados em nosso estudo. Em um deles, foi exigida uma adequação a uma situação de trabalho que, a princípio, gerou perda de autonomia e perda do reconhecimento profissional por assumir função menos valorizada social e institucionalmente. Somente quando buscou uma nova formação, que lhe permitiu realizar atividades mais condizentes com seus interesses e sem sobrecarga dos membros afetados, é que conseguiu readaptar-se ao trabalho de maneira satisfatória. No outro caso, após seu afastamento, continuou exercendo a mesma função, com poucas alterações nas condições e na organização do seu trabalho, o que tem sido fonte de muito sofrimento.
O segundo grupo de pacientes do nosso estudo é constituído por mulheres cujo quadro de fibromialgia não apresentou relação com o trabalho. Durante as entrevistas com essas pacientes, preocupamo-nos em explorar minuciosamente todos os tipos de atividades por elas desenvolvidas, a fim de excluir qualquer possibilidade de sobrecarga física, como ocorreu no outro grupo. Constatamos que elas compõem o que poderíamos chamar de ''perfil típico'' dos portadores de fibromialgia, preenchendo os critérios do ACR e excluindo do seu diagnóstico outra patologia reumática e laboral. Ao contrário do que ocorreu no grupo anterior, todas as pacientes deste grupo apresentaram uma história familiar de fibromialgia, o início precoce dos sintomas, que surgiram ainda durante a adolescência, e a clara associação entre eventos emocionalmente fortes ou traumáticos com um período de piora significativa dos sintomas.

Considerações finais
Diante das diferenças tão evidentes constatadas entre os dois grupos, uma nova questão nos parece inevitável: aquele paciente cujo quadro foi precedido pelo acometimento de LER/DORT, e cuja evolução é tão distinta da forma típica descrita pelo ACR, pode ser considerado como portador da fibromialgia, ou estaríamos lidando com outra entidade nosológica?
Não temos ainda uma resposta definitiva para essa questão, mas, desde já, defendemos o reconhecimento da doença ocupacional, ainda que o paciente seja considerado como portador de uma forma ''regional'' ou ''atípica'' da fibromialgia, desde que fique estabelecido o nexo com suas condições de trabalho.
Sabemos que vários aspectos são considerados como fatores etiológicos da fibromialgia; sendo assim, tal condição não pode ser atribuída a uma única causa. Segundo Maeda et al.21, a síndrome pode iniciar-se após infecção viral ou bacteriana, um acidente, problemas emocionais que envolvam perdas ou conflitos, levando-se a pensar em uma provável falha de adaptação ou incapacidade de elaborar respostas adequadas aos estímulos internos e/ou externos. Esses autores realizaram um estudo com 42 pacientes portadores de fibromialgia e constataram que todos os indivíduos do estudo possuíam uma história de vida marcada por sofrimentos, conflitos e perdas. Ou seja, todos relataram situações marcantes, geradoras de ''estresse'', em até cinco anos antes do aparecimento da doença. Segundo eles, esses pacientes ''possuem uma situação de perda ou conflito a qual não souberam enfrentar''21.
Nosso estudo revelou também a presença desses fatores de forte impacto emocional entre as pacientes portadoras de fibromialgia, sem sobrecarga ocupacional. Ou seja, todas elas associaram a piora dos sintomas com situações emocionalmente difíceis que vivenciaram. Quanto às pacientes do outro grupo, constatamos também dificuldades e perdas importantes, mas talvez a pior delas tenha sido a perda da saúde quando foram acometidas por LER/DORT. Poderíamos, então, pensar que essa situação atuou como uma espécie de ''detonador'' do quadro de fibromialgia que se configurou, em seguida? Se isto é verdade, como é que se daria a passagem entre as duas condições?
São perguntas ainda sem respostas satisfatórias, embora alguns pesquisadores apresentem evidências importantes sobre uma provável relação entre os dois quadros. Riberto10, por exemplo, observou que, apesar da controvérsia existente na literatura a respeito da relação da fibromialgia com eventos traumáticos, e do desconhecimento dos mecanismos pelo qual o trauma pode desencadear a fibromialgia, tanto os traumas físicos como os emocionais têm sido relacionados com o surgimento de dor generalizada. Segundo ele, não é raro que os pacientes relacionem seus sintomas a situações específicas de ''estresse emocional'' ou sobrecarga do aparelho locomotor, ao serem submetidos, por exemplo, a esforços, repetições, posturas inadequadas ou lesão direta dos ossos e partes moles. A ocupação exercida pelo paciente foi admitida como fator etiológico pelo autor, independente do nexo ter sido estabelecido pela perícia do INSS, sendo considerada como uma possível causa dos traumas citados, juntamente com experiências de agressão ou lesão física. Assim, entre os pacientes portadores de fibromialgia de origem traumática, o trabalho representou 77,9% entre os fatores etiológicos.
Ao revisar a literatura e considerar os fatores traumáticos, em especial aqueles relativos ao trabalho, na etiologia da fibromialgia, o estudo de Riberto10 nos remete novamente a uma problemática que já esteve presente nas discussões sobre LER, e hoje está posta no que concerne à fibromialgia: o reconhecimento dessa patologia como doença ocupacional.
As mudanças recentemente introduzidas no mundo do trabalho, sobretudo as inovações tecnológicas, trouxeram grandes alterações no modo de trabalhar e, consequentemente, de adoecer dos trabalhadores. Observa-se uma tendência à multiplicação de transtornos mentais, mas também de problemas essencialmente físicos, como as doenças osteomusculares.
A caracterização da doença ocupacional, embora estabelecida nos serviços de saúde, em última instância é determinada pelo INSS, que definirá o ''benefício'' ao qual fará jus o trabalhador. Muitos casos de LER/DORT não têm sido reconhecidos pelo INSS como sendo de origem ocupacional, mesmo diante de evidências das implicações do trabalho no desencadeamento das mesmas. Vimos que os usuários devem comprovar o nexo causal com o trabalho perante o INSS, pois os laudos fornecidos pelos seus médicos não são aceitos pela perícia médica do INSS. A solicitação de exames complementares aparece, então, comouma tentativa de dar visibilidade à doença. Entretanto, os resultados pouco conclusivos podem levar à exclusão do diagnóstico de LER/DORT, embora se saiba da existência de casos não detectados em imagens. De acordo com Oliveira19, devemos atentar que ao realizar exames para a comprovação do diagnóstico, estamos nos submetendo a trabalhar conforme a ótica da perícia médica do INSS, não validando a clínica da doença. Cabe mencionar que uma investigação criteriosa do ambiente de trabalho é uma alternativa possível para o reconhecimento da doença.
Essa falta de visibilidade da doença, constatada nos casos de LER/DORT, é ainda mais frequente na fibromialgia que, mesmo em graus avançados, não é detectada por nenhum tipo de exame laboratorial ou de imagem. Quando esse paciente é encaminhado para afastamento e é submetido a exames periciais no INSS, conta apenas com as suas queixas e história clínica para que seja determinado o diagnóstico e, quando for o caso, o nexo de causalidade com o trabalho. Como esse nexo ainda não está claramente estabelecido, sendo o trabalho apontado apenas em alguns estudos e, em outros totalmente rejeitado, o diagnóstico de fibromialgia é utilizado muitas vezes, com a finalidade de desvincular o quadro da atividade profissional, conforme ficou claramente evidenciado no nosso estudo.
É importante ressaltar que não é nossa intenção desconsiderar a multiplicidade dos fatores etiológicos envolvidos nessa patologia, e sim destacar que, em vários casos, o trabalho se apresenta como um fator importante, senão o mais importante, no desencadeamento do problema. Nesses casos, vemos uma nítida caracterização de um quadro de LER/DORT, a princípio, e, com o passar do tempo, os sintomas se generalizam, caracterizando uma síndrome que tem sido identificada como fibromialgia. Não se sabe ainda como se dá essa ''passagem'' das LER/DORT para a fibromialgia, nem se pode afirmar que as primeiras deixam de existir para dar lugar à segunda, pois muitas vezes o que se observa é uma coexistência das duas condições. Mas o que parece certo para alguns estudiosos do assunto - e nosso estudo confirma - é que essa síndrome pode ter sua origem nos contextos patogênicos de trabalho.
Sabemos que a inclusão da fibromialgia entre as patologias ocupacionais poderá trazer repercussões para o sistema previdenciário, já em crise no nosso país. Entretanto, é justo que o trabalhador receba o atendimento e o suporte necessários, uma vez que as condições e ambientes de trabalho, embora aparentemente mais confortáveis, têm acarretado um considerável aumento do desgaste físico e emocional dos assalariados. Mendes e Dias22 publicaram um artigo de revisão sobre a evolução da medicina do trabalho, observando que as mudanças ocorridas com a utilização das novas tecnologias, através da automação e informatização nos processos de trabalho, apesar do aparente conforto que oferecem, na verdade têm acarretado novos riscos à saúde. Segundo eles, tais inovações acabaram gerando doenças de difícil diagnóstico e tratamento, dentre elas as LER/DORT.
O campo da saúde ocupacional tem como objeto de estudo a saúde-doença e a sua relação com o trabalho, buscando compreender os processos de adoecimento aos quais estão expostos os trabalhadores. Considerando a relação da sobrecarga no trabalho com a fibromialgia evidenciada em nosso estudo, entendemos que essa síndrome deva ser abordada também por esse campo de conhecimento, não ficando restrita à esfera da reumatologia ou da ''psicossomática''.
Infelizmente, a consolidação da saúde do trabalhador como um campo de conhecimento não tem sido suficiente para garantir aos que sofrem alguma doença ocupacional o acolhimento adequado. Pelo contrário, o que vimos neste estudo e também na literatura sobre o assunto é um processo no qual impera a lógica do capital, descartando o trabalhador quando este não mais produz no ritmo desejado. A partir daí, instaura-se uma verdadeira luta para provar que a sobrecarga imposta pelo trabalho foi a causa do problema. As lacunas na legislação abrem espaço para que o perito, muitas vezes, desconsidere o laudo de profissionais que acompanham o desenvolvimento do quadro clínico do paciente.
É, portanto, em um contexto no qual a própria lei é indefinida e não se pronuncia de maneira coerente em relação ao assunto, que o perito realiza o seu trabalho e dá o ''veredicto'' final ao paciente: aposentadoria ou retorno ao trabalho. Entre as pacientes do nosso estudo, uma demorou seis anos para ter seus direitos garantidos. Durante esse período, recebeu alta por duas vezes e entrou novamente com o pedido de benefício, finalmente concedido. Sua história ilustra a falta de critérios para o reconhecimento do nexo causal com o trabalho em um quadro em que tal nexo pareceu-nos claramente configurado. Outra não chegou a ser encaminhada para o INSS por que está vinculada à Polícia Militar. No entanto, durante o período de um ano no qual ficou afastada, passou por perícias da PM nas quais, inicialmente, o diagnóstico da fibromialgia também foi utilizado como uma descaracterização do nexo com o trabalho, sendo, posteriormente, reconhecido. Ao final desse período, quando teria então que ser encaminhada para o INSS para aposentar-se, retornou ao trabalho em desvio de função. Outra, ainda, ficou afastada do trabalho por cinco anos com diagnóstico de LER, quando, então, foi diagnosticada como portadora de fibromialgia, recebeu alta do INSS e retornou ao trabalho. O nexo causal entre seu quadro clínico e o trabalho, embora admitido durante todo o período de afastamento, passou a ser negado, e, assim, ela retornou para a mesma função exercida anteriormente, só que em condições ainda piores. Cabe ressaltar que essa paciente foi afastada em 1997, período em que a instituição previdenciária já passava por mudanças, sem que isso, no entanto, impedisse o reconhecimento das LER/DORT. Mas quando foi obrigada a retornar ao trabalho e teve seu diagnóstico subitamente modificado para fibromialgia, as regras para acesso aos benefícios, estabelecidas pela previdência social, tinham se tornado mais rigorosas, conforme atesta Melo20: Das Caixas de Aposentadorias ao Instituto Nacional do Seguro Social, existe um trajeto de transformações institucionais, de avanços e recuos no estabelecimento dos direitos sociais que refletem a própria organização social e os conflitos estruturais presentes na sociedade brasileira e em seu modelo político. [...] A instituição previdenciária vem sofrendo alterações, especialmente a partir da década de 90, reflexos das reformas de Estado [...]. Além disso, observa-se maior rigor para o acesso aos benefícios através do aumento de exigências para a concessão.
Essas reformas estabeleceram critérios que praticamente inviabilizaram o reconhecimento pericial das doenças profissionais, o que culminou em um processo no qual as LER/DORT, apesar de presentes no cotidiano dos trabalhadores, tivessem sua incidência diminuída para o INSS. Atribuímos a isto a mudança no tratamento dado à paciente citada acima, isto é, a negação súbita do nexo de sua doença com o trabalho, em 2002, além da mudança do seu diagnóstico para fibromialgia e do seu retorno à antiga função. Embora sua história revele com clareza o nexo entre seu adoecimento e o trabalho, ela aguarda, hoje, a decisão da justiça, na tentativa de prová-lo. Enquanto isso, sai de sua casa todos os dias para realizar atividades que só contribuem para piorar seus sintomas.
Diante do que foi exposto, fica evidente que estamos diante de uma temática que envolve questões que vão além das dimensões clínicas, alcançando um patamar essencialmente político. Apesar de todo o problema em torno dos critérios diagnósticos da fibromialgia, a maioria dos médicos, dos profissionais da área de saúde, e dos próprios pacientes, já se referem a ela como uma entidade nosológica distinta, cujos sintomas já são conhecidos. Embora em muitos casos os tratamentos sejam pouco eficazes, o reconhecimento da doença possibilita aos pacientes estabelecer uma conduta que lhes permite conviver melhor com o seu quadro. Por outro lado, o sistema previdenciário, as empresas e a própria comunidade médica parecem despreparados para o reconhecimento e o tratamento dos aspectos ocupacionais, tanto da fibromialgia, quanto das LER/DORT. No confronto com a tríade políticas de saúde-empresários-médicos, o paciente tem sido visto como aquele que apresenta queixas inexistentes ou que pretende obter ganhos secundários com seu problema. Além disso, frequentemente, ao invés de se preocupar com as dores e queixas desses pacientes, passa-se a discutir se essas entidades nosológicas realmente existem. Sabemos que o avanço em relação aos critérios diagnósticos é fundamental nas duas condições; entretanto, enquanto isso não chega a termo, independente da designação da doença, LER/DORT ou fibromialgia, não se pode ignorar que existem muitas pessoas sofrendo e que boa parte delas tem seus sintomas claramente vinculados à sua atividade profissional. O reconhecimento do seu caráter ocupacional permitirá que se adotem medidas preventivas adequadas nos locais de trabalho, além de oferecer aos que já foram atingidos pelo problema o apoio necessário para seu enfrentamento.

Colaboradores
TT Álvares trabalhou na concepção e redação final deste artigo, na pesquisa e coleta de dados. MEA Lima orientou a pesquisa e dissertação de mestrado que deu origem a este artigo, e trabalhou na concepção do mesmo.

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